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Ao Encontro do Passado

Um blog de apontamentos sobre a história que me dá identidade. Da terra que nasci e vivo.

Ao Encontro do Passado

Um blog de apontamentos sobre a história que me dá identidade. Da terra que nasci e vivo.

Procissão na Avenida da República na Vila de Paredes

06.06.11, Rafael

Av. da República

 

Fotografia tirada na Avenida da República na Vila de Paredes provavelmente anos 40 ou 50. A avenida das quintas, pois até essa altura resumia-se a meia duzia de casas de grandes proprietários.

Depois de alguma pesquisa junto de fotos com as mesmas características atribuo a possibilidade de ter sido tirada em 1947.

A casa em primerio plano é dos finais do século XIX, provalvelmente na decada de 1880 segundo os decendentes e actuais proprietários. Mais abaixo, entre estas duas casas, existe actualmente uma casa que foi construida no início dos anos 1960. Presentemente, esta zona apresenta-se num excelente estado de conservação.

"Os Ladrões no Crasto" - Monografia de Paredes págs 283-290

04.06.11, Rafael
Casa do Crasto - Besteiros -Paredes
Casa do Crasto actualmente em 2011
Reprodução do texto original:
I
 
As guerras faziam os homens feras. Habitua-os ao sangue, ás cenas de violencia, ao regime da força e ao menosprezo do direito. Depois das guerras não vem logo a paz completa.assim, como depois de uma doença grave, ha um periodo de convalescença antes que se firme a saúde, assim tambem depois de garndes lutas armadas, ficam aqui e ali revoltas, tumultos, assassinatos, roubos, assaltos, maltas de quadrilheiros, etc.
A guerra liberal durou desde julho de 1832 até maio ou junho de 1834.
O Algarv, só alguns anos depois, se viu livre do guerrilheiro Remexido e dos seus homens armados.
Todo o paíz sofreu, por largos anos, depois da guerra e antes da plena paz e da normalidade, mais ou menos perturbações da ordem.
É sabido que, para se estudar a história duma época, se deve ler a legislação desta. E de facto, essa legislação nos informa de que em vários anos e muitas vezes, o governo de D. Maria II, por meio de decretos e portarias, providenciou para manter a ordem e reprimir os muito numerosos crimes que se cometiam em todos os distritos e até mesmo na capital.
No fim do ano de 1834 (23 de dezembro) disse disse o governo que eram muito frequentes na capital os roubos, insultos, ferimentos e outros procedimentos que atacam a propriedade do cidadão e a segurança pública e individual.
Em 1835 (16 de outubro) fala nas prisões que se fizeram de salteadores e bandoleiros e em extirpar os facínoras dos vários districtos.
Em 1836 (10 de outubro) refere-se aos frequentes roubos e assassínios que se tem praticado no julgado de Santo Tirso.
Em 1837 (12 de janeiro) diz estar 48 individuos indiciados de criminosos pela rebelião levantada na provincia do Minho.
No mesmo ano (22 de julho) manda promover os termos judiciaes sobre atentados contra a ordem pública e contra s instituições (liberaes) proclamadas pela nação.
Ainda em 1837 (11 de setembro) refere-se a uma partida de salteadores que (diz) se supõe pertencer ao bando do Remexido e que matou e roubou o padre coadjutor de Beliqueme.
Em 1839 (4 de setembro) manda fazer uma activa e constante perseguição ás guerrilhas e bandos de salteadores de que haja notícia em qualquer districto, devendo os gobernadores civis, então chamados administradores geraes, pedir auxílio às auctoridades militares de linha.
Tál era o estado do paiz em 1835 e alguns anos depois, tristes restos ou efeitos da grande doença social - a guerra, que animalisa, que bestializa os homens tanto, quanto o progresso da paz, da educação, da instrução e das belas artes, o espiritualisa e aperfeiçôa moralmente.        
Segue-se a narrativa de um assalto
 
II
 
Vou contar a historia dos ladrões no Crasto. O meu fim, ao escreve-la, é salvar do esquecimento e vulgarisar um facto verdadeiro e curioso  da minha terra.
A casa do Crasto, de muitos lindas vistas para o nascente, fica na freguezia de Bésteiros, concelho de Paredes, distrito do Pôrto.
Ao tempo do caso dizia-se: «termo da cidade do Pôrto,» 
Essa casa tinha fama de rica.
Havía lá muito dinheiro.
O boato atraíu os ladrões.
Era em 1834, no ano em que findou o cêrco do Pôrto e a guerra liberal que derrubou o abspolutismo  de D. Miguel.
Nesse tempo já havia do Pôrto bancos, onde podia-se fazer depósitos de capitaes. Existia pelo menos a Caixa filial do Banco de Lisbôa. Mas havia receio, falta de confiança e os costumes não eram como os de hoje. Quem tinha dinheiro, escondia-o ou interrava-o. Muito ficou assim oculto e perdido para sempre.
A casa do Crasto era de Manoel Caetano Moreira Lobo, lavrador, proprietário e pae de José Moreira Lobo, que havia sido arrematante dos foros e rendas do convento de Cêtte, então ha pouco extincto pelo governo liberal.
Os conventos tinham sido muito ricos e no Crasto juntava-se grande abundnacia de dinheiro.
Um dia Moreira Lobo pae e filho, vendo que as moedas de prata, certamente os pintos, ganhavam verdête,  e se pegavam umas ás outras em blocos, por causa da humidade e de estarem acumuladas, tiveram a infliz ideiade as deitarem ao sol na eira, como quem estende cereaes, a secar.
Ainda para mais, a eira ficava á beira do caminho.
Quem passava ia contar pasmado:
Ali o dinheiro e tanto como o milho ! até o deitavam na eira ao sol !
A fama da riqueza despertou a avidez da conquista.
III
Em 1834, o caminho  do Porto a Parêdes era a antiga estrada romana que conduzia pelo Douro e Tráz-os-Montes para Hespanha. Ainda ha vestígios dela.
A actual estrada real ou nacional nº 33, do Porto á Régua e Vila Real, passando por Valongo e Parêdes, é de 1856, salvo erro ( ).
Na tarde de 21 de agosto de 1834, uma sexta feira, por aquele velho caminho, ia um homem a pé em direcção a Parêdes e foi interrogado por uns desconhecidos se sabia onde era a casa do Crasto.
De noite, « pelas onze horas» foi o assalto.
Os ladrões eram mais de cem. Deixaram as suas cavalgaduras no lugar das Cavadas e daí até ao Crasto estabeleceram « vedetas de observação a pequenas distancias.»
A casa começava a ser cercada de gente armada  na ocasião em que saía  de lá um alfaiate de Carreiras Verdes, a quem os ladrões disseram:
- Báta á porta para nós entrarmos. A si, abrem-a. Se o não faz morre.
-Ó senhores, não é preciso. Eu conheço aqui tudo; salto este muro para dentro e abro-lhes a porta sem se saber quem abriu.
Perguntaram-lhe qual era a porta mais fraca e ele indicou-lhes a mais forte. Saltou o muro e foi dentro avizar  que estavam cercados por uma quadrilha de ladrões; que gritassem por socorro e que se defendessem. José Moreira Lobo estava na cama e acudiu em trajes menores.
Começou a gritaria de dentro e o ataque de fora.
A escada esterior, da frente da casa, tem no alto um páteo, que estava cheio de salteadores, a investirem furiosamente  contra a porta, com machados, mas ela era segura e chapeadade ferro. Ao mesmo tempo, davam tiros seguidamente em todas a s direcções, para intimidarem o públicoe impedirem a vinda de socorros.
alguem de longe, deu uns tiros para lá, mas logo, na direcção da chama dos tiros houve fuzilaria em resposta. Estavam senhores da situação.
José Moreira Lobo era homem valente e dos mais fortes desse tempo. Gostava de malhar milho nas eiras em desafio com rapazes  de mais força e tinha um mangoal de madeira rigíssima de sobreiro, reforçada com umas peças de ferro, que só era leve nas mãos dele. Este homem, que ainda conheci, sendo eu rapaz e ele velho, estava de guarda á porta, da parte de dentro, empunhando a mangoa. Os atacantes chegaram a fazer um pequeno rombo, mas não podiam meter a mão para tirar a tranca, nem os canos das armas, porque as pancadas terriveis do mangoal destruiam tudo. Deram, porém, para dentro e contra as portas «inumeros tiros de bala.»
De fora diziam:
Á tratante! que se vamos lá dentro, havemos de te retalhar aos bocadinhos.
José Moreira Lobo lutou bem duas horas com eles e chegou a cançar-se, porque eram muitos e não lhe davam um momento de repouso.
Os ladrões derivaram o ataque para as traseiras da casa e quando se sentiu o estrondo para arrombamento duma porta que lá havia menos forte, o desánimo foi tanto na familia que algumas sacas de dinheiro e talvez joias, foram lançadas á retrete para escaparem ao roubo que já parecia inevitável. A aflição era extrema. Os  de dentro iam ser roubados e mortos; ao menos tinham iminente perigo os haveres e as vidas. Cá fora o tiroteio era contínuo entremeado de algazarra ou vozearia da multidão.
IV
Por todas a s redondezas tocavam os sinos a rebate havia grande anciedade e gritos de socorro- de aqui-del-rei - belo fenónemo de solidariedade humana, Juntou-se muito povo a gritar, mas ninguém se aproximava por causa dos tiros.
A cerca de dois quilometros fica a vila de Parêdes, onde morava um valentão, Joaquim Monteiro Coelho da Silva, conhecido vulgarmente pelo nome de Joaquim do Ajudante.
Informa-me pessoa da familia que ele era assim chamado por ser filho do Manoel Caetano Coelho da Silva, que tinha sido oficial do exercito e ajudante... de quê? de melicias? dalgum general? Ajudante de regiemento, ou chefe da secretaria dele? Não se sabe.
Joaquim do Ajudante era animoso e empreendeu levar socorro ao Crasto ou afugentar a quadrilha de ladrões.
De que havia de lembrar-se ?
A tropa de Penafiel estava longe, a  uns cinco quilometros. Para se ir lá chama-la e pare ela vir, pelos maus caminhos de então levava muito tempo, e era preciso acudir com urgência.
Que fazer?- simulou uma força militar. Ele sabia tocar corneta e tinha uma, como a dos regimentos. Na vila havia um rapaz que sabia tocar tambor. Foi chama-lo, juntou muitos homens, principalmente dos que andavam na vila a aprender os exercicios militares, e seguiu com todos para as proximidades da casa do Crasto. Quando chegou á distancia de se poder ouvir, tocou a corneta em som de marcha mandou rufar a caixa, que marchasssem todos pezadamente e a compasso e dava ordens muito alto á direita á esquerda, etc.
Os ladrões disseram:
A´i! que aí vem a tropa de Penafiel! Toca a retirar. E abandonaram a casa tentando, primeiro, em vão incendia-la.
Então para entreterem o povo e não serem perseguidos, lançaram fogo a uma casa vizinha coberta de côlmo e eles mesmos iam a gritar: aqui-del-rei-fogo!
V
Não sei se algum dos ladrões era de Paredes e conhecido do dono da casa assaltada. Se era, certamente foi no dia seguinte visitalo para o abraçar e felecitar por ter escapado e sabido resisdtir ao ataque daqueles bandidos e acelerados! o mundo é assim.
José Moreira Lobo que faleceu em 1871, formou em direito o filho, Camilo Candido Moreira Lobo, que foi um habil advogado. O dr Camilo nasceu em 1830 e por isso tinha cerca de quatro anos ao tempo do ataque.
Referindo-se a esse assalto de ladrões o dr. Camilo escreveu no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro, para o ano de 1860, a pag. 222, um soneto cujas quadras são como seguem:
Por sucia de bandidos assaltado
Aquelle donde emano viu-se ha annos
Resistindo a inimigos deshumanos
Com valor desmedido e braço ousado:

Tal caracter no filho está gravado!
Sujeito vive sim a mil enganos,
Mas se á força alguem quer causar-lhe damnos
Dignamente o verá desagravado.
A primeira quadra é toda histórica e fica explicada com  esta narrativa do assalto de ladrões; a segunda é a jactar-se de valente e era realmente um homem vigoroso e enérgico.
Os dois tercetos complementares do sonêto são sobre outro assunto e por isso não se transcrevem, nem a assinatura, por não ser preciso.
O dr. Camilo faleceu em 24 de janeiro de 1880 e deixou filhos e netos. Ninguem melhor que o dr podia escrever esta historia, do tempo do pai e do avô dele.
Depois disto escrito, procurando jornais da época, nada encontrei no Periódico do Pobres, do Porto, mas felizmente na Chrónica Constitucional, da mesma cidade, com o numero182, de 27 de agosto de 1834, a pag. 684, descobri uma correspondencia com a narrativa pormenorisada do caso, e  dela aproveitei alguma coisa para compor esta narrativae para acrescentar ao que já sabia pela tradição.
O correspondente não relata que o heroi da defesa foi José Moreira Lobo, com o seu valente mangoal, o que não pode por-se em dúvida, por ser sabido de todos. Também não se fala na cena do tambor e corneta, de que todavia, não pode duvidar-se, por ser esse respeito, como áquele, unánime a tradição geral de Parêdes.
VI
  Como a Chrónica Constitucional de 1834 é muito rara e certamente nenhum paredense actual logrou ainda vê-la, vou transcrever algumas palavras da correspondente aludida.
«Principiaram a arrombar as portas com machados e diparando nelas para dentro inúmeros tiros de bala.
...«tendo cercado as casas, faziam algum gogo contínuado para o povo que, bradando á vez del-rei, queria aproximar-se para acudir a semelhante atentado. Consiguiram finalmente os malvados demolir as portas a colpes de machado, porém o ânimo de que se revestiram os donos da casa, levando quasi á desoperação pelo perigo em que se  achava, lhes defendeu a entrada, quasi a peito descoberto.
Seria uma hora da noite, quando, ou perdendo esperanças de vencerem homens que, desperados defendiam a honra,  os bens e a própria vida; ou aterrados talvez pelo rebate dos sinosdas freguesias circunvisinhase vozearia do inumerável povo, que afluia, mas que não ousava a chegar-se, principiaram a retirar-se em ordem, tentando primeiro incendiar as casas (do Crasto) o que não poderam conseguir por serem sobradadase  telhadas;...»
Depois conta que, com archotes, lançaram o fogo, em vários sitios, á casa colmaça de Manoel José Pacheco, que ardeu toda; não pode ao menos salvar-se o gado que estava nas córtes.  O prejuizo foi calculado em mais de 600$00 réis. Segue-se um resumo do resto da correspondencia.
Os ladrões retiram-se pela estrada que vai de Paredes a Reiros, carregaram sobre a direita para o lugar e freguesia de Cristelo, onde feriram e roubaram dois homens e deram um tiro em uma mulher que, ouvindo muito barulho, tinha ido á janela e caiu ferida e desmaiada.
Passaram á freguesia de Vilela, onde no lugar da Maia, atacaram a casa do Ajudante  que extintas Ordenanças, que lhes ofereceu muita resistencia e não puderam forçar as portas; depois dirigiram-se para o lugar  da Estrada, na mesma freguesia, onde arrombaram as portas da casa de José da Costa, mestre ferreiro, a quem cortaram uma orelha completamente com um golpe de espada e deixaram a mulher dele em perigo de vida; aí roubaram tudo no valor mais de 200$00 réis.
Depois passarm á freguesia de Lordelo (ainda de Parêdes) onde arrombaram as portas da residência do abade (que inflizmente se achava no Porto) e as da igreja e tanto numa como na outra parte roubaram tudo quanto puderam e com as cavalgaduras carregadas dos furtos, quasi na madrugada seguiram a estradade Agrela, em direção ao Porto.
Conclue, dizendo que alguns ladrões já estavam presos na cadeia da Relação do Porto e outros na  do concelho de Refojos (Santo Tirso)e pedindo providencias contra semelhantes atentados que desacreditam as novas instituições.
Supondo que o autor da correspondencia foi o Dr. Rodrigo Xavier Pereira Freitas e Beça, jornalista e casado com uma senhora do Crasto.
VII
Acaba-se uma guerra, não faltam vadios e facínoras,  gente ociosa e desempregada, que cessou a sua ocupação no serviço de armas, das violencias e dos saques.
O assalto á casa do Crasto parece ter sido de gente do exército, vestida á paizana. Ha cinco razões, para o supôr: 1º O grande numero de salteadores; 2º O fazerem acampamento das suas cavalgaduras nas Cavadas e estabelecerem vedêtas de observação a curtas distancias até ao Crasto; 3º os Tiros serem de bala ; 4º Retirarem-se em boa ordem, o que se faz supôr um bom comando, e não fugirem precipitadamente, como sucederia com civís ou paizanados; 5º O facto de na freguesia de Vilela, cortarem a orelha a um homem com uma espada-que é uma arma militar e não civil.
E´pouco crivel que houvesse prisões, porque os ladrões não iam perseguidos.
Modernamente a Casa do Crasto tem um buraco na parede para se poder dar fogo de dentro contra quem estiver no pateo, no alto das escadas exteriores. E´um remedio que veio tarde e faz lembrar o prevérbio - depois de casa roubada... tranca na porta.